Rosana Simões

Iniciei minha trajetória cursando jornalismo na PUC RS, mas logo descobri que minha verdadeira paixão estava no design. Isso me levou a estudar design de interiores e abrir uma estofaria em Porto Alegre, onde vivi intensamente os desafios de ser fabricante e designer. Mais tarde, em São Paulo, atuei como representante de móveis italianos, visitando mais de 20 vezes o Salone del Mobile para manter-me atualizada e, nesse caminho, passei a valorizar e incorporar o design brasileiro. Hoje, à frente do estúdio O Criativo Design, dedico-me à criação de mobiliário, ambientes e estampas, unindo experiência e propósito. Fui reconhecida com o Prêmio Salão do Móvel Brasil (2023) e o Prêmio Remakers RS (2024), reafirmando meu compromisso com o design como ferramenta de transformação.

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Salone del Mobile 2025

O que vi, vivi e quero compartilhar com vocês
Por Rosana Simões Pires para Minimal

Durante a semana de design mais importante do ano, o Salone del Mobile voltou a ocupar Milão com força total. Fui em busca das novidades e das direções que as grandes marcas estão sinalizando para os próximos anos. É claro que estamos falando de movimentos que não acontecem do dia para a noite — mas é justamente nas nuances, nas sutilezas e nos caminhos que cada empresa apresenta, que consigo enxergar padrões mais amplos. E assim, traçar conexões e entender para onde o setor está caminhando.

Os números impressionam: foram mais de 1.950 expositores, ocupando cerca de 174 mil metros quadrados nos pavilhões da Fiera Milano, um centro de exposições monumental assinado por Massimiliano Fuksas. Fora da feira, nos circuitos do Fuorisalone, mais de 1.300 eventos tomaram conta dos bairros de design como Brera, Tortona, Durini, Alcova, entre muitos outros. A cidade literalmente ferve — e encontrar um táxi ou uma mesa livre nos restaurantes mais disputados virou missão quase impossível.

Desta vez, ao contrário dos últimos anos em que foquei mais nos eventos fora da feira, decidi me concentrar nos pavilhões do Salone del Mobile por dois motivos importantes:

  1. O primeiro é o crescimento expressivo da presença brasileira dentro da feira, fruto de um trabalho consistente da Abimóvel e da ApexBrasil, que têm criado pontes reais para que nossos designers e indústrias ocupem um espaço relevante e ganhem visibilidade internacional.
  2. O segundo é que algumas marcas globais importantes deixaram os circuitos do Fuorisalone e retornaram aos pavilhões da Fiera — um movimento que revela transformações e talvez uma nova fase para o próprio Salone.

Agora, vamos ao que realmente interessa.
Depois de muitos quilômetros caminhados, centenas de imagens capturadas, conversas com designers, arquitetos e diretores criativos das principais marcas do mundo, identifiquei 5 macrotendências que dominaram a MDW 2025 — e que certamente vão reverberar por muito tempo na indústria do mobiliário e do design no mundo.

1. Materiais Sustentáveis e Regenerativos

A sustentabilidade deixou de ser uma tendência para se tornar uma exigência ética e estratégica no design. No Salone del Mobile 2025, ficou evidente que a pesquisa por materiais regenerativos e de baixo impacto ambiental está no centro das inovações. Tecidos derivados de cânhamo, biocompósitos, bioresinas e plásticos reciclados foram amplamente explorados por marcas de diferentes segmentos.

Um dos destaques foi o PaperShell, da Arper — um material à base de fibras de celulose que oferece resistência estrutural comparável à madeira, mas com uma pegada de carbono reduzida. A busca é por soluções que não apenas reduzam danos, mas que regenerem o ciclo produtivo, abrindo espaço para um design verdadeiramente circular, onde cada escolha de material é pensada para durar, ser reaproveitada ou reintegrada à natureza.

2. Mobiliário Inteligente e Integração com Inteligência Artificial

A integração entre design e tecnologia evoluiu. Sai de cena a tecnologia como mero gadget e entra um design sensível, onde os recursos tecnológicos estão a serviço do bem-estar, da personalização e da funcionalidade.

Vimos avanços em móveis com sensores que se adaptam ao usuário — como cadeiras que ajustam automaticamente a postura e mesas que memorizam alturas preferidas. A inteligência artificial também já está sendo usada para gerar formas e proporções com base em parâmetros estéticos e ergonômicos.

Um exemplo notável foi a coleção desenvolvida por Philippe Starck, em parceria com a Kartell, onde algoritmos de IA projetaram peças com visual orgânico e otimização estrutural. Esse movimento aponta para um futuro em que o design será cada vez mais co-criado com tecnologias avançadas, mas sempre com foco na experiência humana.

3. Design Modular e Multifuncional

Em tempos de moradias cada vez menores e jornadas de trabalho mais flexíveis, a modularidade deixou de ser apenas uma vantagem para se tornar um requisito funcional. No Salone 2025, diversas marcas apresentaram sistemas versáteis de mobiliário, com módulos que podem ser recombinados de acordo com o espaço, o uso e o momento.

Sofás que se transformam em ilhas de descanso ou estações de trabalho, mesas extensíveis, divisórias móveis e soluções que se adaptam à arquitetura flexível dos ambientes modernos foram onipresentes. Esse tipo de design responde não apenas às necessidades urbanas, mas também às novas formas de convivência pós-pandemia, em que o lar precisa ser híbrido: lugar de pausa, produtividade e socialização.

4. Foco no Ser Humano e na Saúde

O design centrado no ser humano ganha profundidade ao abraçar o bem-estar como valor central. A tendência do design biofílico — que integra elementos naturais aos espaços construídos — continua forte, mas agora ampliada por uma visão mais holística de saúde física e mental.

A presença de plantas, luz natural controlada, materiais orgânicos e texturas reconfortantes apareceu como um fio condutor em muitos estandes, com soluções que promovem relaxamento, concentração e equilíbrio emocional. A luz, em especial, ganhou destaque, com sistemas que replicam os ritmos circadianos para melhorar o desempenho e a qualidade de vida.

A feira demonstrou que saúde e design não são mais esferas separadas: o design é um agente ativo de cura, conforto e conexão.

5. Formas Expressivas e Estéticas Emocionais

Estamos vivendo um momento em que o design deixa de ser puramente funcional e passa a buscar conexão emocional com o público. Essa tendência se expressa em formas curvas, paletas de cores ousadas, texturas ricas e referências lúdicas que despertam sensações.

As peças passam a contar histórias e provocar sentimentos — e não apenas atender funções práticas. A britânica Faye Toogood, para a Tacchini, exemplifica bem essa abordagem: seus móveis são esculturas sensoriais que celebram o corpo feminino e a potência do gesto artesanal.

Já a Moroso apostou na proposta Non/Normal, trazendo o design experimental como provocação estética e política, valorizando o que é imperfeito, híbrido ou excêntrico. Essa corrente aponta para um design mais livre, expressivo e profundamente humano.

Após caminhar por tantos pavilhões, observar materiais, formas e escutar tantas histórias por trás dos objetos, percebo que mais do que tendências, o que se desenha são movimentos profundos — reflexos sensíveis do nosso tempo. Vivemos em um mundo cada vez mais digital e, talvez por isso mesmo, ansiamos por texturas, por conforto, por tudo aquilo que se possa tocar.

Buscamos mais do que estética: buscamos humanidade. Em meio a excessos e estímulos, cresce o desejo pelo essencial — pela funcionalidade que realmente importa, pela beleza que acolhe, pela forma que serve sem ruído.

É um tempo em que a arte invade o cotidiano e transforma objetos comuns em peças que emocionam. As curvas suaves ganham espaço como antídoto a um mundo de ângulos retos. O design responde, com sensibilidade, ao chamado por equilíbrio, por presença, por alma.

Fontes: Architectural Digest, El País, Real Simple, The Spruce, Designdobom

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